3. Texto

3.2. Relato 2

Relato assinado.


Olá! Meu nome é Bianca, tenho 25 anos, sou uma mulher cis branca nascida em São Paulo capital, mas que já morou em várias outras cidades durante a vida. 

Eu falo sempre que é cansativo ser gordo. Não por dor nos joelhos, por cansaço ao esforço ou por sentir sono o tempo todo. Nenhum desses se aplica a mim. O que se aplica, porém, é que toda vez tenho que andar, praticamente, com um certificado de "gordo saudável" em todo lugar que vou. Não há respeito. Por ser gorda, as pessoas acham que podem - e devem - me criticar e me sugerir dietas, exercícios, médicos. As pessoas assumem que sou preguiçosa, compulsiva e doente. Não é verdade.

Semana passada, uma moça veio trabalhar fazendo faxina aqui em casa. Ela é boazinha. Vem uma vez por semana aqui em casa. Mas toda vez que ela me vê, ela nota que tem aparelhos de exercícios na minha sala de estar e fala "por que você não faz?". Eu faço. Só não na frente dela. Mas por ser gorda, ela acha que eu não faço nada o dia inteiro. Outra coisa que aconteceu foi ela ver que minha irmã de 16 anos faz exercícios muito intensos e pesados, e ela é magérrima. Um dia, ela estava suando a camisa, malhando muito, firme. Barriga chapada. E a moça disse: por que você não faz que nem sua irmã?

Bom, eu não quis dizer a ela que minha irmã tem anorexia e transtorno alimentar. Mas eu que tenho algum problema, porque sou gorda. 

Minha avó se impressiona toda vez que vê mulheres magras. Quando ela olha para mim, nota-se o nojo e desprezo ao ver que sou gorda. Uma vez ela comprou uma blusinha e me deu de natal. Quando eu vesti, ela torceu o nariz e disse "nossa, na vitrine tinha ficado tão bonita...". 

Uma vez fui num endocrinologista no Hospital São Camilo. Eu fui porque não compreendia o motivo para eu não emagrecer, mesmo me alimentando em períodos regulares com frutas, verduras, legumes, grelhados, cereais e grãos integrais, bebendo muita água diariamente e fazendo exercícios diariamente por pelo menos 1h. Quando entrei no consultório com minhas queixas, ele imprimiu um plano de dieta de 1200 calorias e me disse "corte seu pão de queijo e suco de laranja no café da manhã, senão nunca que você vai emagrecer". Detalhe: sou intolerante a lactose, não como pao de queijo. E desde quando tomo suco de laranja no café da manhã? Ah, sim. Ele sequer me perguntou o que como. Ele imprimiu o mesmo papel que ele entrega a todos os pacientes - minha mãe havia passado com ele no dia anterior, e ele falou a mesma coisa para ela e entregou o mesmo papel. 

Fui em outra endocrinologista outra vez. Falei: por favor, me ajude. Estou desesperada. Eu como muito pouco, faço exercícios, não emagreço. Pode investigar se tem algo clínico comigo?

Ela me ignorou, e me passou uma dieta chamada Pronokal, que custava 1500 reais comprando com ela, e que reduziria minhas calorias a 1200 por dia. Para quem quiser saber: é uma dieta cetogênica, passada a uma menina de 19 anos, altamente ativa fisicamente, que consistia em RAÇÕES porcionadas e água. Só. Eu comprei. Eu não fiz a dieta. Eu me frustrei. 

Eu estudo na faculdade de saúde pública da USP. A atlética, no meu ano de bixo, lançou um blusão de moletom e camisetas. Eu, super empolgada, fui comprar. Não tinha meu tamanho. Eu, bixete, não pude comprar um blusão da minha faculdade porque não servia nas roupas. O diretor da atlética me pediu desculpas posteriormente e me disse que nos próximos lançamentos haverá meu tamanho. Nem me importei. Sou a única gorda na faculdade de saúde pública inteira. Sou minoria. 

Já passei com médicos que me receitaram os mais absurdos remédios para emagrecer - desde a adolescência. Ainda sou gorda, nunca emagreci. Há mais de 10 anos continuo com o mesmo peso. 

Sabe quando foi que comecei a engordar? Quando minha mãe entrou em coma durante o meu ensino médio. Eu engordei 40kg em um ano. Sabe quem foi a única pessoa que me perguntou algo relacionado ao emocional? Minha psicóloga, em 2021, depois de uma vida inteira de "profissionais" e "familiares" e "amigos" que se preocupam tanto com meu peso que resolvem me dar "dicas e orientações para o meu próprio bem". Sem nunca se darem ao trabalho de investigar o que havia por trás.

Colesterol, pressão arterial, glicemia, tudo ok no meu corpo. Só a cabeça que não está no lugar certo. Porque estou cansada de ter que lutar contra todo mundo, todo dia, o tempo todo. 

Agora, todo profissional de saúde que eu passo sai necessariamente da planilha de indicação da página "saúde sem gordofobia" no instagram. É tão hostil ser gordo no Brasil, que criaram uma página para indicar profissionais não gordofóbicos. E é só lá que passo agora. Pago tudo no particular, mesmo tendo convênio. E é isso. 

Minha história tem muitos outros casos. Esses são só alguns. 

sorriso